Bate-boca no reinício do julgamento do mensalão
Nas quatro sessões dedicadas ao tema, só foram analisadas as condutas de dois réus, e de forma incompleta
Brasília A pausa de 12 dias no julgamento do mensalão não foi suficiente para serenar os ânimos e fazer com que os ministros do Supremo Tribunal Federal conseguissem chegar a um acordo sobre os critérios a serem adotados para a fixação das penas dos 25 condenados no processo. Na sessão de ontem, novas discussões e bate-bocas entre os magistrados levaram a Corte a alcançar uma marca: pela primeira vez, o tribunal realizou um intervalo sem ter conseguido fixar nenhuma pena.
O ministro Marco Aurélio ficou irritado com o relator Joaquim Barbosa que sorriu quando ele pronunciava seu voto. Logo depois ele disse não admitir que todos sejam considerados salafrários e Barbosa o vestal FOTO: STF
Nas quatro sessões dedicadas ao tema, aliás, só foram analisadas as condutas de dois réus, e ainda assim de forma incompleta. O primeiro bate-boca aconteceu antes que a sessão chegasse a dez minutos. A discussão ocorreu após o ministro Marco Aurélio Mello ter defendido que o tribunal levasse em conta a continuidade delitiva no momento da fixação das penas.
Isso levaria a redução da pena aplicada aos condenados. Marco Aurélio observou que Marcos Valério recebeu uma pena superior a 40 anos, fato que estaria estarrecendo o mundo acadêmico. O ministro irritou-se com o relator que sorria enquanto ele fazia suas observações.
"As coisas são muito sérias, o deboche não cabe", protestou Marco Aurélio. "Escute, para depois me retrucar", prosseguiu. "Cuide das palavras". Barbosa manteve o tom irônico: "Eu sei aonde Vossa Excelência quer chegar". Marco Aurélio reagiu questionando a postura pública do relator. "Não admito que se suponha que somos todos nós salafrários e só Vossa Excelência seja um vestal".
O clima de confronto prosseguiu durante a análise das penas a serem impostas Ramon Hollerbach, ex-sócio de Valério. O revisor da ação, ministro Ricardo Lewandowski, fez uma comparação de crimes de corrupção cometidos por outros agentes, como um motorista que paga propina para um guarda de trânsito. "Não me impressiona também o fato de terem sido corrompidos parlamentares, a corrupção de um magistrado, um agente público, qualquer que seja a hierarquia, é igualmente grave", afirmou Lewandowski. O relator não se conteve. "Então corromper o guarda da esquina é o mesmo que corromper um parlamentar?", questionou Barbosa. Lewandowski evitou prolongar o embate. "Eu não vou discutir com Vossa Excelência, vou ler apenas o meu voto", treplicou o revisor.
Em outro momento, ao discutirem critérios de aplicação de pena aos condenados, Barbosa afirmou que Lewandowski estaria "transformando réu em anjo". Exaltado, o revisor rebateu-o. "Não crie frases de efeito. É inadmissível, estamos num julgamento sério. Não admito que Vossa Excelência faça frases de efeito em detrimento da minha pessoa".
O relator do processo, que tem vencido a maioria dos embates com Lewandowski, defendeu penas altas para os crimes de corrupção constante neste processo justamente por envolver o pagamento de propina a deputados federais.
Para ele, não há como se defender a fixação de penas mínimas em casos com este. "Estamos falando de corrupção de parlamentares, de tentativa de corrupção de órgão legislativo, longe, portanto, da situação de insignificância que levaria a fixação da pena no mínimo", disse.
Além de Valério e seu sócio, outros seis réus foram condenados pelo crime de corrupção ativa pela compra de apoio, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino.
Indefinição
Após quase duas horas de sessão, os ministros foram para o intervalo sem definir a pena para Hollerbach por corrupção ativa por ter auxiliado na compra de votos de parlamentares.
Com um impasse sobre a pena de Hollerbach, o STF deixou para hoje a definição do total da punição para o sócio de Valério. Até agora, as penas aplicadas pelos ministros somam 25 anos, 11 meses e 20 dias, além de uma multa de R$ 2,5 milhões.
Se prevalecer o voto do relator, Joaquim Barbosa, que pediu 4 anos e 7 anos meses por evasão, ele pode ser punido com mais de 30 anos de prisão. Lewandowski, propôs para este crime 2 anos e 8 meses.
A situação ficou indefinida pelo voto do ministro Marco Aurélio Mello, que considerou que não houve crime continuado nesse caso específico, não concordando com aumentar a pena por causa disso.
Contraste
O retorno conturbado do julgamento contrastou com o otimismo do presidente da Corte, Carlos Ayres Britto. Ele contava com um clima ameno para conseguir concluir todo seu voto na dosimetria, uma vez que se aposenta no final da próxima semana por completar 70 anos.
No intervalo, tentou minimizar os embates e a demora dizendo preferir os maiores "momentos de paz" das sessões.
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