quinta-feira, 5 de julho de 2012


Calamidade na Urgência e Emergência



Isaac LiraRoberto Lucena e Ricardo Araújo - repórteres

A dificuldade para solucionar os problemas do atendimento de urgência e emergência na rede de saúde estadual levou o Governo do Estado a decretar a partir de hoje o estado de calamidade pública no Rio Grande do Norte e anunciar um pacote de medidas a serem implantadas nos próximos seis meses. Com isso, a governadora Rosalba Ciarlini pretende diminuir o tamanho da crise que afeta o setor atualmente, com falta de leitos, profissionais, superlotação, entre outros problemas. Segundo a governadora Rosalba Ciarlini, o decreto de calamidade possibilitará tirar do papel uma série de medidas com mais agilidade e menos burocracia.
Elisa Elsie/DivulgaçãoDecreto foi anunciado ontem pela governadora Rosalba CiarliniDecreto foi anunciado ontem pela governadora Rosalba Ciarlini

Entre as medidas anunciadas pela governadora na tarde de ontem, estão a reforma de alguns dos principais hospitais da rede, além da compra de equipamentos, medicamentos e insumos hospitalares, abertura de leitos, criação de uma central de regulação, entre outros (veja infográfico). No total, serão investidos mais de R$ 32 milhões, sendo R$ 12 milhões com recursos federais e o restante com verba do próprio Governo do Estado. Além disso, o Estado irá realizar uma auditoria na folha de pagamento da saúde para identificar servidores lotados em locais com pouca carga, ou seja "subutilizados". 

Com isso, o Governo pretende conseguir pessoal para a abertura dos novos leitos hospitalares, a partir do remanejamento de pessoal de regiões com menos demandas para regiões com mais demandas. Em paralelo, será instalado o ponto eletrônico nas unidades de saúde. O objetivo é coibir a postura de servidores que não cumprem a própria carga horária nos hospitais estaduais. Segundo um estudo citado pelo procurador geral do Estado, Miguel Josino, cerca de 10% dos servidores na área da saúde - 1,8 mil pessoas em números absolutos - estão sendo "subutilizados". "O estudo foi feito pelo Ministério Público Estadual", diz Josino. 

Todas essas medidas, de acordo com a governadora Rosalba Ciarlini, só são possíveis, dentro do prazo estabelecido pelo Estado, com o decreto de calamidade. Como se sabe, em estado de emergência ou calamidade pública o Poder Executivo pode contratar com maior flexibilidade, dispensando inclusive o processo de licitação. "Em saúde, é preciso dar uma resposta rápida e o Governo vem tentando. Com o decreto, e o acompanhamento de todas essas instituições e órgãos de controle, é possível fazer com mais rapidez. A burocracia muitas vezes emperra o processo", explica a governadora.

Para acompanhar esse processo de contratação, o Governo do Estado apresentou ontem o Plano de Enfrentamento para os Serviços de Urgência e Emergência a várias instituições, como o Ministério Público Estadual, Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, Conselho Regional de Medicina, Conselho Estadual de Enfermagem, entre outras. "Procuramos o apoio dessas instituições para viabilizar essas modificações", aponta Rosalba.

A governadora e os auxiliares destacaram a participação do Governo Federal, que é parceiro no envio de R$ 12 milhões. O Plano, segundo os integrantes do Governo do Estado, contou com a  aprovação do Ministério da Saúde. "A diferença entre esse decreto de calamidade e os outros que foram realizados no Estado é que dessa vez há um plano de ação e planejamento. Iremos modificar o panorama do atendimento de urgência e emergência em seis meses", disse Rosalba. 

Os primeiros passos de implementação do Plano é a pactuação com os municípios do serviços de urgência e emergência e a chamada pública para construir, através de Parceria Público-privada, mais um hospital de trauma em Natal.

Governo promete 288 novos leitos

As ações do Plano de Enfrentamento do Governo do Estado estão centradas principalmente na abertura de novos leitos, reformas e aquisição de equipamentos para hospitais ao longo do Estado. O conjunto de medidas tem data estipulada para ser tirado do papel, o que terá o acompanhamento de várias instituições do Estado, como o Conselho Regional de Medicina e o Ministério Público Estadual. São 17 ações programadas pela Secretaria Estadual de Saúde. A primeira proposta prática a ser viabilizada é de colocar pra funcionar novos leitos, no prazo de um mês, no Hospital Ruy Pereira.

No  que diz respeito à quantidade de leitos gerais, são 225 leitos distribuídos em várias ações. Além disso, a Sesap incluiu a abertura de 59 leitos de UTI em seis hospitais: 6 UTIs Gerais no Ruy Pereira; 10 UTIs pediátricas e 9 UTIs coronarianas no Onofre Lopes; 10 UTIs gerais no Walfredo Gurgel; 10 UTIs pediátricas no Varela Santiago; 10 UTIs neonatal no Santa Catarina, em Natal; 4 UTIs pediátricas no Tarcísio Maia, em Mossoró. A primeira abertura de leitos será no Hospital Rui Pereira, com 25 vagas, seguida de mais 60 vagas no Onofre Lopes.

As reformas estruturais e compra de equipamentos devem demorar um pouco mais. A partir de R$ 13 milhões de recursos próprios, haverá a reformado Giselda Trigueiro, João Machado, Santa Catarina, Walfredo Gurgel e Maria Alice Fernandes, em Natal; Rafael Fernandes e Tarcísio Maia, em Mossoró; além dos hospitais regionais de Macaíba, Santo Antônio e São Paulo do Potengi. O Ministério da Saúde também irá enviar recursos para reestruturação de hospitais, incluindo equipamentos. Os quatro principais serviços de emergência da Região Metropolitana de Natal serão beneficiados: Walfredo Gurgel, Santa Catarina, Maria Alice Fernandes, em Natal; e Deoclécio Marques, em Parnamirim.

Além disso, uma nova central de regulação será colocada em funcionamento. "A regulação saberá em tempo real para qual hospital mandar o paciente com esse novo sistema", diz o secretário estadual de Saúde, Isaú Gerino. A previsão é de que a central de regulação comece o trabalho em 90 dias, com um custo de R$ 4,7 milhões.

Decreto divide opiniões de entidades
O decreto de calamidade na Saúde Pública do Rio Grande do Norte dividiu a opinião de entidades ligadas ao setor, políticos e representantes de categorias. Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RN), o documento é positivo porque traz consigo um plano de enfrentamento com ações e metas a serem cumpridas passíveis de fiscalização eficaz por parte dos órgãos de controle. Por outro lado, o Sindicato dos Médicos do Estado (Sinmed/RN) aponta defeitos no plano e alerta para a possibilidade da situação de calamidade se aprofundar.

O anúncio do Governo do Estado surge em meio à uma greve dos médicos da rede estadual que permanece há mais de dois meses. O presidente do Sinmed/RN, Geraldo Ferreira, afirmou que já sabia do decreto desde a semana passada. "Já estávamos esperando esse anúncio. A situação atual não é apenas de estado de calamidade, é de desgoverno mesmo", disse. O médico teme que o decreto abra brecha para contratações e atitudes irregulares. "O que vemos acontecer, em casos parecidos, é a tentativa de possuir poder absoluto e contratar desobedecendo preceitos existentes em leis".

A conselheira federal da OAB no Estado e integrante do Fórum da Saúde Pública do RN, Elke Cunha, afirmou que o decreto, apesar de representar um desgaste político para o Governo, é visto positivamente. "Esse decreto de calamidade difere de outros porque existe um plano de enfrentamento. Esse plano tem metas e ações definidas  que serão fiscalizadas", pontuou.

Mas alguns pontos existentes no plano são questionados pelo Sinmed/RN e Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado (Sindsaúde/RN). Um deles é a construção de um hospital de trauma na Região Metropolitana de Natal através de uma Parceria Público-Privada (PPP). "Somos contra a PPP. A própria governadora sabe que modelo é contestado pelo Ministério Público de outros Estados. Já alertamos o Governo que essa é uma atitude incorreta que vai acabar desorganizando ainda mais o setor", colocou Geraldo Ferreira. Já a presidente do Sindsaúde/RN, Sônia Godeiro, afirmou que a PPP nada mais é que a privatização da saúde pública. "Isso é errado. Não pode entregar à empresas privadas uma função que é do Estado".

Para o membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Júnior, o decreto é preocupante. "Lamentavelmente, usa-se os decretos de calamidade para tomar atitudes à revelia da Justiça e dos controles externos. Espero que o Governo do Estado tenha bom senso e não adote medidas polêmicas", colocou. O representante do CNS disse ainda que esteve na última reunião do Conselho Estadual de Saúde (CES) e está acompanhando a situação nos hospitais públicos do RN. "Estou acompanhando de perto o que ocorre e esse decreto, antes de nos parecer uma solução, se apresenta como uma preocupação".

Não é o que pensa o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte (Cremern), Jeancarlo Cavalcante. De acordo com o médico, a atitude do Governo é uma medida necessária para enfrentar o "caos existente". "O decreto de calamidade é uma medida necessária e a atitude do Governo é louvável. Mostra que há vontade de resolver os problemas", colocou. 

Outro ponto que não agrada médicos e servidores da Saúde é com relação ao controle de escala previsto no plano de enfrentamento. O Governo quer que a escala de todos os médicos do Estado seja publicada no site da secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) e encaminhada ao Cremern e Ministério Público. A adoção de ponto eletrônico em todas as unidades hospitalares também está prevista. "O controle da frequência do médico não deve ser visto como uma punição. A presença do médico vai além de assinar um ponto de controle. O nosso compromisso está acima disso", afirmou Geraldo Ferreira.

Folha da Sesap consome 80% dos recursos
Conforme dados apresentados pela Procuradoria Geral do Estado ao Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública como parte da peça de defesa em desfavor da Ação Civil Pública movida contra o Estado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM), há uma descrição dos valores gastos com a Saúde em nível estadual no ano passado. Dos R$ 5,2 bilhões da receita vinculada à Saúde do Rio Grande do Norte, somente o equivalente a 3,8% - cerca de R$ 199,6 milhões - foram utilizados para investimentos. Atualmente, a folha de pagamento de servidores da Secretaria Estadual de Saúde (Sesap) consome 78,06% de toda a arrecadação e repasses destinados à Saúde. 

 Os 21,94% restantes são divididos entre os pagamentos realizados às cooperativas médicas, que segundo dados apresentados pela Procuradoria Geral do Estado, somaram no ano passado cerca de R$ 24 milhões. Há, ainda, o repasse efetuado às empresas terceirizadas, que disponibilizam mão de obra para serviços gerais, copa, segurança interna e externa das unidades estaduais de Saúde. Em 2011, as contratações indiretas de pessoal custaram à Secretaria Estadual de Saúde (Sesap), aproximadamente R$ 36 milhões.

 "O Estado do Rio Grande do Norte gasta cerca de 17,32% do seu orçamento em Saúde Pública, bem mais do que exigido pela Constituição (12%), mas, em razão de desacertos que vem se acumulando ao longo dos anos (que não se conserta de uma hora para outra), 80% dos recursos da Saúde (isso mesmo, 13,52%!!!) são gastos com pessoal, sobrando pouco para custeio e quase nada para investimento. Essa é uma verdade que não se pode - nem se deve - esconder", alegou a procuradora estadual da Saúde, Paula Maria Gomes da Silva, em documento entregue à Justiça Estadual. 

 A Procuradoria Geral do Estado sugeriu, como parte do processo de identificação das deficiências históricas da Saúde Estadual, uma auditoria na folha de pagamento na Secretaria Estadual de Saúde (Sesap). Na peça de defesa em resposta à Ação Civil Pública movida contra o Estado pelo CRM, a procuradoria disse que "os números não mentem. Uma auditoria, que deverá ser feita no curso da ação, mostrará isso claramente".

Marca: Conselho Estadual quer anulação de contrato 
Após analisar a prestação de contas da Associação Marca acerca dos serviços no Hospital de Mulher de Mossoró, o Conselho Estadual de Saúde decidiu ontem requisitar oficialmente à governadora Rosalba Ciarlini a anulação do contrato entre a Marca e o Estado. Segundo o conselheiro Francisco Júnior, que é também membro do Conselho Nacional de Saúde, vários indícios irregularidades foram constatadas nas contas da Marca. O Ministério da Saúde será convocado a intervir na Secretaria Estadual de Saúde. "Com tantas irregularidades, iremos pedir a intervenção", garante Francisco Júnior.

Além disso, o Conselho de Saúde pretende responsabilizar judicialmente o ex-secretário Domício Arruda e o procurador do Município de Natal, Alexandre Magno de Souza, pelos possíveis prejuízos, caso sejam provados, ao erário estadual. Alexandre foi preso semana passada na Operação Assepsia, realizada pelo Ministério Público Estadual, e que investiga suposto direcionamento na escolha de organizações sociais na Prefeitura de Natal e supostos devios de dinheiro público. O Conselho considera que os processos administrativos no Estado e no Município aconteceram de forma semelhantes.

Além disso, há, segundo o CES,  indícios graves de irregularidades na prestação de contas. Em primeiro lugar, os conselheiros identificaram os indícios noticiados com exclusividade pela TRIBUNA DO NORTE. São eles: a Marca "antecipou" os gastos do contrato, de forma que um mês antes da assinatura, e antes mesmo do parecer da Procuradoria Geral do Estado, o prédio já havia sido alugado, reformas estruturais realizadas e mobiliário comprado. Além disso, a terceirização de mão de obra foi feita com a mesma empresa investigada na Operação Assepsia: Salute Sociale.

Outros pontos considerados suspeitos pelo Conselho são a falta de comprovação de que os equipamentos foram recebidos e a ausência de tombamento desses itens. Mesmo comprados pela OS, os equipamentos, ao fim do contrato, são do Estado. "Não temos como saber se aquele equipamento foi de fato recebido pela Marca", explica Francisco Júnior.

Um dos fatos que mais chamou a atenção dos conselheiros foi a ausência de notas fiscais referentes a medicamentos. Como é óbvio que uma unidade como o Hospital da Mulher não pode funcionar sem insumos e medicamentos, há duas teorias dentro do Conselho. "Ou não se prestou contas disso ou, o que é pior, o Estado forneceu os medicamentos mesmo a responsabilidade sendo da Marca", cogita Francisco Júnior.

 O conselheiro Francisco Júnior afirma que a análise do CES apontou o pagamento de demandas jurídicas alheias ao contrato vigente com a Sesap. "Tudo isso é grave. A Marca funciona com dois CNPJ diferentes, então tudo precisa ser apurado com rigor", projeta Júnior.

A formalização do pedido para anular o contrato será enviado nos próximos dias. O documento está tendo sua redação finalizada. 

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