Rock e filosofia nas letras da Legião
31.07.2012
Em livro de ensaios sobre a Legião Urbana, Marcos Carvalho Lopes faz uma análise das letras de Renato Russo
No altar do rock dos anos 1980, duas grandes figuras ocupam em definitivo o patamar de poetas daquela geração: Cazuza e Renato Russo. Os dois, como dita a cartilha do panteão do rock, mortos precocemente, deixaram obras fortes, extensas e que refletem os anseios e sentimentos dos jovens para quem cantaram.
Vocalista e compositor da Legião Urbana, Renato Russo é figura central na análise de Marcos Carvalho Lopes.
Em "Canção, Estética e Política - Ensaios Legionários", o escritor goiano, doutorando em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mergulha na trajetória de um deles, Renato Russo, e traça reflexões filosóficas, psicológicas e sociológicas, sobre o universo que tornou a brasiliense Legião Urbana um marco.
Os anos 1980, justifica o autor, formaram um geração para quem "o cinema, a contracultura, os astros que estampam camisetas e produtos tomaram o lugar dos livros sagrados como modelos de comportamento e valor".
A partir disto, ao tratar de temas como o amor, o cotidiano, a crítica social e questões existenciais, as músicas são referência para uma reflexão filosófica sobre a época e a juventude que fez de Renato Russo seu porta-voz.
Ensaios
Marcos coloca, naturalmente, o líder da Legião Urbana no centro da trama, que começa com a transformação do jovem Renato Manfredini Júnior (1960-1996), carioca vivendo a monotonia brasiliense do início dos anos 1980, no Renato que, ao lado de Dado Villa-Lobos (guitarra) e Marcelo Bonfá (bateria), gravou oito álbuns de estúdio e cinco ao vivo, além dos três de sua carreira solo.
Embora escritos isoladamente, sem a intenção inicial de compor a obra, os ensaios tecem uma trama que, camada por camada, desvelam o pensamento do grupo.
Aos ensaios, Marcos somou a discografia da Legião Urbana (incluindo os sete discos lançados em vida por Renato Russo), com comentários música a música.
Mito do Rock´n Roll nacional, o cantor transpôs para suas letras os sentimentos e anseios da juventude dos anos 1980
A invenção do mito Renato Russo é parte fundamental nesta caminhada, gestada na própria construção do nome, inspirado pelos filósofos Bertrand Russel e Jean-Jacques Rosseau, e no sonho do jovem Manfredini de ser um astro do rock. "Costumava falar que tinha toda sua vida planejada: até os 40 anos se dedicaria à música, até os 60, ao cinema, e, daí em diante, à literatura", lembra o autor.
Influências
Em "Dezesseis", música do disco "A Tempestade ou Livro dos Dias" (1996), último lançado em vida por Renato Russo, Marcos destrincha o "Mito do Rock´n Roll" que permeia a odisséia do jovem João Roberto e as referências que vão de Chuck Berry à Roberto Carlos, passando pelos Beatles nos versos de "Strawberry Fields Forever". "Dezesseis é um épico que desvela a essência da ´atitude´ / postura Rock and Roll", define.
O autor sugere influências da obra de artistas como Jean-Luc Godard, cujo filme "Número Deux" (1975) teria inspirado o nome do segundo disco da banda, ou os Beatles, que inspirariam a cada deste disco com o seu "Álbum Branco".
O lado "flâneur" de Renato parte desde as primeiras composições, como "Música Urbana", composta enquanto fazia parte da banda de punk Aborto Elétrico (e gravada anos depois pelo Capital Inicial), exposta ainda em "Tédio (com um T bem grande pra você)", "Baader-Meinhof Blues" e "Música Urbana 2". Ao flanar, argumenta o autor, ele assumia a postura de quem, embora percebendo os erros e contradições da sociedade, continua a caminhada, a fim de esquecer. "Somente no disco "As quatro estações", em sua primeira música, "Há tempos", Renato Russo salta da descrição para a opinião em busca de alguma solução", aponta.
Crítica
O engajamento das letras de Renato Russo, gestado com vigor em sua fase punk do Aborto Elétrico, segue presente em todos os trabalhos da Legião Urbana. O primeiro álbum, "Legião Urbana", traz sucessos da banda como "Será", contestando o sentimento de posse nos relacionamentos; "Dança", investindo contra os padrões de moda e comportamento; "Petróleo do Futuro", denunciando o individualismo e a indiferença da sociedade. E o clássico "Geração Coca-cola", uma rajada contra o sistema de educação.
O autor costura a trama fiada nos discos seguintes onde a crítica política e social segue em alguns como "Dois", que traz músicas como "Índios"; e no seguinte, "Que País é Este", com a música tema jogando a "sujeira" da nação no ventilador. Em "As Quatro Estações" (1989), Renato Russo quebra essa linha crítica e "busca uma perspectiva ética-romântica para falar da sociedade: construindo uma grande utopia em torno do amor e do sentimento sagrado", argumenta Marcos.
O disco seguinte, "V" (1991), revoga este discurso e traz a "antítese" do pensamento "o amor vai salvar o mundo", revelando as atribulações políticas do Brasil no início da década de 1990.
"O Descobrimento do Brasil" (1993), na análise do autor, fecha o ciclo sintetizando as lições de "As Quatro Estações" e "V". Repleto de referências aos acontecimentos que permeavam as criações de Renato Russo e da Legião Urbana, das influências do cinema, da música e da filosofia, o livro é um bom convite aos velhos de jovens fãs a escutar sobre outra perspectiva a obra da banda e mergulhar no tempo que, nas palavras do próprio Dado Villa-Lobos transcritas na contracapa, "insiste e não vai embora" e completa, "muito esclarecedor".
FÁBIO MARQUESREDAÇÃO
No altar do rock dos anos 1980, duas grandes figuras ocupam em definitivo o patamar de poetas daquela geração: Cazuza e Renato Russo. Os dois, como dita a cartilha do panteão do rock, mortos precocemente, deixaram obras fortes, extensas e que refletem os anseios e sentimentos dos jovens para quem cantaram.
Vocalista e compositor da Legião Urbana, Renato Russo é figura central na análise de Marcos Carvalho Lopes.
Em "Canção, Estética e Política - Ensaios Legionários", o escritor goiano, doutorando em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mergulha na trajetória de um deles, Renato Russo, e traça reflexões filosóficas, psicológicas e sociológicas, sobre o universo que tornou a brasiliense Legião Urbana um marco.
Os anos 1980, justifica o autor, formaram um geração para quem "o cinema, a contracultura, os astros que estampam camisetas e produtos tomaram o lugar dos livros sagrados como modelos de comportamento e valor".
A partir disto, ao tratar de temas como o amor, o cotidiano, a crítica social e questões existenciais, as músicas são referência para uma reflexão filosófica sobre a época e a juventude que fez de Renato Russo seu porta-voz.
Ensaios
Marcos coloca, naturalmente, o líder da Legião Urbana no centro da trama, que começa com a transformação do jovem Renato Manfredini Júnior (1960-1996), carioca vivendo a monotonia brasiliense do início dos anos 1980, no Renato que, ao lado de Dado Villa-Lobos (guitarra) e Marcelo Bonfá (bateria), gravou oito álbuns de estúdio e cinco ao vivo, além dos três de sua carreira solo.
Embora escritos isoladamente, sem a intenção inicial de compor a obra, os ensaios tecem uma trama que, camada por camada, desvelam o pensamento do grupo.
Aos ensaios, Marcos somou a discografia da Legião Urbana (incluindo os sete discos lançados em vida por Renato Russo), com comentários música a música.
Mito do Rock´n Roll nacional, o cantor transpôs para suas letras os sentimentos e anseios da juventude dos anos 1980
A invenção do mito Renato Russo é parte fundamental nesta caminhada, gestada na própria construção do nome, inspirado pelos filósofos Bertrand Russel e Jean-Jacques Rosseau, e no sonho do jovem Manfredini de ser um astro do rock. "Costumava falar que tinha toda sua vida planejada: até os 40 anos se dedicaria à música, até os 60, ao cinema, e, daí em diante, à literatura", lembra o autor.
Influências
Em "Dezesseis", música do disco "A Tempestade ou Livro dos Dias" (1996), último lançado em vida por Renato Russo, Marcos destrincha o "Mito do Rock´n Roll" que permeia a odisséia do jovem João Roberto e as referências que vão de Chuck Berry à Roberto Carlos, passando pelos Beatles nos versos de "Strawberry Fields Forever". "Dezesseis é um épico que desvela a essência da ´atitude´ / postura Rock and Roll", define.
O autor sugere influências da obra de artistas como Jean-Luc Godard, cujo filme "Número Deux" (1975) teria inspirado o nome do segundo disco da banda, ou os Beatles, que inspirariam a cada deste disco com o seu "Álbum Branco".
O lado "flâneur" de Renato parte desde as primeiras composições, como "Música Urbana", composta enquanto fazia parte da banda de punk Aborto Elétrico (e gravada anos depois pelo Capital Inicial), exposta ainda em "Tédio (com um T bem grande pra você)", "Baader-Meinhof Blues" e "Música Urbana 2". Ao flanar, argumenta o autor, ele assumia a postura de quem, embora percebendo os erros e contradições da sociedade, continua a caminhada, a fim de esquecer. "Somente no disco "As quatro estações", em sua primeira música, "Há tempos", Renato Russo salta da descrição para a opinião em busca de alguma solução", aponta.
Crítica
O engajamento das letras de Renato Russo, gestado com vigor em sua fase punk do Aborto Elétrico, segue presente em todos os trabalhos da Legião Urbana. O primeiro álbum, "Legião Urbana", traz sucessos da banda como "Será", contestando o sentimento de posse nos relacionamentos; "Dança", investindo contra os padrões de moda e comportamento; "Petróleo do Futuro", denunciando o individualismo e a indiferença da sociedade. E o clássico "Geração Coca-cola", uma rajada contra o sistema de educação.
O autor costura a trama fiada nos discos seguintes onde a crítica política e social segue em alguns como "Dois", que traz músicas como "Índios"; e no seguinte, "Que País é Este", com a música tema jogando a "sujeira" da nação no ventilador. Em "As Quatro Estações" (1989), Renato Russo quebra essa linha crítica e "busca uma perspectiva ética-romântica para falar da sociedade: construindo uma grande utopia em torno do amor e do sentimento sagrado", argumenta Marcos.
O disco seguinte, "V" (1991), revoga este discurso e traz a "antítese" do pensamento "o amor vai salvar o mundo", revelando as atribulações políticas do Brasil no início da década de 1990.
"O Descobrimento do Brasil" (1993), na análise do autor, fecha o ciclo sintetizando as lições de "As Quatro Estações" e "V". Repleto de referências aos acontecimentos que permeavam as criações de Renato Russo e da Legião Urbana, das influências do cinema, da música e da filosofia, o livro é um bom convite aos velhos de jovens fãs a escutar sobre outra perspectiva a obra da banda e mergulhar no tempo que, nas palavras do próprio Dado Villa-Lobos transcritas na contracapa, "insiste e não vai embora" e completa, "muito esclarecedor".
FÁBIO MARQUESREDAÇÃO