Processos contra jovens aumentam
Isaac Lira - Repórter
Por conta da subnotificação e das históricas dificuldades da Polícia Civil, por falta de estrutura, em investigar os atos infracionais cometidos por adolescentes, não há muitas estatísticas confiáveis acerca do crescimento do número de jovens com envolvimento na criminalidade. Contudo, os dados disponíveis com capacidade de dar uma idéia sobre esse universo assustam até mesmo o juiz Homero Lechner, que há anos atua na 3a. Vara da Infância e Juventude. "O número de processos aumentou bastante. Temos casos de crescimento de 400% na chegada de procedimentos contra adolescentes", aponta o magistrado.
O que pode ser percebido na prática por delegados, promotores e magistrados está gravado no sistema de estatísticas da 3a. Vara da Infância e Juventude, a única a tratar de atos infracionais de adolescentes em Natal. Ato infracional é o termo correto para designar "crimes" cometidos por adolescentes. Um levantamento obtido junto à Justiça estadual mostra que há oito anos o número de processos relativos a adolescentes era bem menor. Exemplo: no mês de maio deste ano chegaram à 3ª Vara 125 processos envolvendo adolescentes; o mesmo mês em 2004 teve um número muito inferior, de 30 processos, ou seja quatro vezes menor.
Esse aumento citado pelo juiz Homero Lechner não tem acontecido de maneira uniforme. Entre 2004 e 2012, o número de adolescentes em conflito com a lei passou por oscilações, tendo atingido o seu auge em 2007, com 1,2 mil casos nos 12 meses do ano. A tendência desde 2009 era de diminuição. Em 2010, por exemplo, o ano inteiro totalizou 662 processos distribuídos para a 3a. Vara da Infância e Juventude da capital. Mas recentemente a quantidade voltou a crescer em 2012 e caso a movimentação continue a mesma as estatísticas no fim do ano irão superar a média de 2007, até agora o ano mais violento da década.
Além do aumento quantitativo, todos os envolvidos no processo de investigar e punir os atos infracionais cometidos por adolescentes apontam uma mudança "qualitativa". O perfil dos atos infracionais tem mudado para "pior". Há oito anos os adolescentes em conflito com a lei cometiam atos mais leves. "Tínhamos principalmente o furto como atos infracionais mais comuns. Hoje há um crescimento assustador do número de assaltos à mão armada, de homicídios e, em menor escala, de estupros cometidos por adolescentes", diz Homero Lechner.
As causas para o crescimento do número de adolescentes são variadas e fatalmente acompanham o crescimento da violência como um todo em Natal. A droga, contudo, é uma unanimidade. "O crescimento do crack sobretudo é um dos fatores que contribuem para esse processo", diz o promotor Marconi Falconi. Na promotoria, há casos inclusive de crianças usuárias da droga. "Os atos infracionais são menos comuns dos 12 aos 15 anos e vão se tornando mais comum dos 15 aos 17 anos. Isso demonstra que há uma inserção destes jovens, ao passo em que vão ficando mais velhos, no crime. Essa inserção aumenta e torna difícil o trabalho de reinserção deste jovem na sociedade", aponta o promotor.
Sem estrutura para acolher infrator
Uma das dificuldades encontradas pelo sistema relacionado aos adolescentes que cometeram atos infracionais é a falta de local adequado para internação em Natal. Até bem pouco tempo, o problema estava restrito às condições de ressocialização destes adolescentes. Contudo, com a interdição do Ceduc Pitimbu, não há local algum para enviar os adolescentes em conflito com a lei. Resultado: muitos estão sendo liberados para as ruas por falta de vagas.
A interdição foi determinada pela juíza Ilná Rosado Motta, de Parnamirim. Ao analisar os relatórios anexados aos autos, ela verificou o comprometimento da estrutura física e organizacional da entidade, sendo assim necessário resguardar-se a integridade física e psíquica dos internos que lá se encontram. A juíza levou em consideração os apontamentos feitos nos relatórios da Suvisa, Bombeiro e Polícia Militar, além das visitas do Conselho Nacional de Justiça e Corregedoria de Justiça do RN.
A magistrada constatou que as instalações físicas e as deficiências estruturais e organizacionais relatadas no processo comprometem em muito o objetivo da execução da medida, o da ressocialização dos adolescentes por estarem em condições totalmente inadequadas, bem assim comprometem a dignidade e até a segurança das pessoas lá internadas, conforme laudos anexados aos autos, violando, assim, as disposições normativas da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do SINASE. "Conclui-se, portanto, pela necessidade de interdição do local até que sejam sanadas as deficiências e irregularidades constantes nos citados relatórios, sob pena de risco à integridade física e psíquica dos internos", concluiu.
Todo esse contexto demonstra um dado importante relatado pelo promotor de Justiça, Marconi Falcone: sem a devida ressocialização a tendência é que os adolescentes continuem cometendo atos infracionais e engrossem as estatísticas de processos da Justiça estadual. "Se não há um trabalho orientado para o trabalho, a educação e a ressocialização dos adolescentes, depois de seis meses ou um ano, quando são soltos, eles fatalmente serão reincidentes", diz o promotor.
Bate-papo
Marconi Falcone, promotor da Infância e Adolescência
"É reflexo do aumento da crise na segurança"
O senhor tem percebido um aumento no número de processos envolvendo adolescentes aqui na promotoria?
Esse aumento é perceptível nos últimos 10 anos. De toda a forma, há um aumento por parte da delegacia especializada, que tinha somente um delegado e agora tem dois. Aumentou a equipe e houve esse reforço.
A que o senhor atribui esse aumento?
O aumento do número de atos infracionais é reflexo do aumento da violência em si, da crise na segurança pública. Muitos adultos deixando adolescentes responderem pelos seus atos. No RN, a situação se agrava com relação aos demais estados tendo em vista que o CEDUC Pitimbu está interditado por falta de condições, de estrutura e pessoal. O serviço público no geral não prioriza a criança e o adolescente. Temos um sistema sucateado. Não temos uma estrutura especializada.
Os adolescentes estão sendo liberados por falta de vagas?
Em alguns casos. Nós tentamos no Ceduc Mossoró e Caicó, mas se não houver vaga, é preciso liberar. Há casos inclusive de adolescentes responsáveis por homicídios que foram para as ruas. A governadora está muito ciente disso. Mas as soluções são muito lentas Você não ter vaga para internar uma pessoa é o caos. É um descaso por parte do Governo do Estado. Até mesmo as medidas em regime aberto e assistido não estão sendo cumpridas por conta de uma greve, ou algo assim. Tivemos várias reuniões com a governadora e com o presidente da Fundac, uma reforma está sendo feita, mas a juíza já declarou que isso não atende as condições de dignidade.
Qual a influência desse contexto na ressocialização dos adolescentes?
Se não há um trabalho orientado para o trabalho, a educação e a ressocialização dos adolescentes, depois de seis meses ou um ano, quando são soltos, eles fatalmente serão reincidentes.
Por conta da subnotificação e das históricas dificuldades da Polícia Civil, por falta de estrutura, em investigar os atos infracionais cometidos por adolescentes, não há muitas estatísticas confiáveis acerca do crescimento do número de jovens com envolvimento na criminalidade. Contudo, os dados disponíveis com capacidade de dar uma idéia sobre esse universo assustam até mesmo o juiz Homero Lechner, que há anos atua na 3a. Vara da Infância e Juventude. "O número de processos aumentou bastante. Temos casos de crescimento de 400% na chegada de procedimentos contra adolescentes", aponta o magistrado.
Alberto LeandroAs causas para o crescimento da violência de adolescentes são variadas. Mas o envolvimento com droga é unanimidade entre os especialistas
O que pode ser percebido na prática por delegados, promotores e magistrados está gravado no sistema de estatísticas da 3a. Vara da Infância e Juventude, a única a tratar de atos infracionais de adolescentes em Natal. Ato infracional é o termo correto para designar "crimes" cometidos por adolescentes. Um levantamento obtido junto à Justiça estadual mostra que há oito anos o número de processos relativos a adolescentes era bem menor. Exemplo: no mês de maio deste ano chegaram à 3ª Vara 125 processos envolvendo adolescentes; o mesmo mês em 2004 teve um número muito inferior, de 30 processos, ou seja quatro vezes menor.
Esse aumento citado pelo juiz Homero Lechner não tem acontecido de maneira uniforme. Entre 2004 e 2012, o número de adolescentes em conflito com a lei passou por oscilações, tendo atingido o seu auge em 2007, com 1,2 mil casos nos 12 meses do ano. A tendência desde 2009 era de diminuição. Em 2010, por exemplo, o ano inteiro totalizou 662 processos distribuídos para a 3a. Vara da Infância e Juventude da capital. Mas recentemente a quantidade voltou a crescer em 2012 e caso a movimentação continue a mesma as estatísticas no fim do ano irão superar a média de 2007, até agora o ano mais violento da década.
Além do aumento quantitativo, todos os envolvidos no processo de investigar e punir os atos infracionais cometidos por adolescentes apontam uma mudança "qualitativa". O perfil dos atos infracionais tem mudado para "pior". Há oito anos os adolescentes em conflito com a lei cometiam atos mais leves. "Tínhamos principalmente o furto como atos infracionais mais comuns. Hoje há um crescimento assustador do número de assaltos à mão armada, de homicídios e, em menor escala, de estupros cometidos por adolescentes", diz Homero Lechner.
As causas para o crescimento do número de adolescentes são variadas e fatalmente acompanham o crescimento da violência como um todo em Natal. A droga, contudo, é uma unanimidade. "O crescimento do crack sobretudo é um dos fatores que contribuem para esse processo", diz o promotor Marconi Falconi. Na promotoria, há casos inclusive de crianças usuárias da droga. "Os atos infracionais são menos comuns dos 12 aos 15 anos e vão se tornando mais comum dos 15 aos 17 anos. Isso demonstra que há uma inserção destes jovens, ao passo em que vão ficando mais velhos, no crime. Essa inserção aumenta e torna difícil o trabalho de reinserção deste jovem na sociedade", aponta o promotor.
Sem estrutura para acolher infrator
Uma das dificuldades encontradas pelo sistema relacionado aos adolescentes que cometeram atos infracionais é a falta de local adequado para internação em Natal. Até bem pouco tempo, o problema estava restrito às condições de ressocialização destes adolescentes. Contudo, com a interdição do Ceduc Pitimbu, não há local algum para enviar os adolescentes em conflito com a lei. Resultado: muitos estão sendo liberados para as ruas por falta de vagas.
A interdição foi determinada pela juíza Ilná Rosado Motta, de Parnamirim. Ao analisar os relatórios anexados aos autos, ela verificou o comprometimento da estrutura física e organizacional da entidade, sendo assim necessário resguardar-se a integridade física e psíquica dos internos que lá se encontram. A juíza levou em consideração os apontamentos feitos nos relatórios da Suvisa, Bombeiro e Polícia Militar, além das visitas do Conselho Nacional de Justiça e Corregedoria de Justiça do RN.
A magistrada constatou que as instalações físicas e as deficiências estruturais e organizacionais relatadas no processo comprometem em muito o objetivo da execução da medida, o da ressocialização dos adolescentes por estarem em condições totalmente inadequadas, bem assim comprometem a dignidade e até a segurança das pessoas lá internadas, conforme laudos anexados aos autos, violando, assim, as disposições normativas da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do SINASE. "Conclui-se, portanto, pela necessidade de interdição do local até que sejam sanadas as deficiências e irregularidades constantes nos citados relatórios, sob pena de risco à integridade física e psíquica dos internos", concluiu.
Todo esse contexto demonstra um dado importante relatado pelo promotor de Justiça, Marconi Falcone: sem a devida ressocialização a tendência é que os adolescentes continuem cometendo atos infracionais e engrossem as estatísticas de processos da Justiça estadual. "Se não há um trabalho orientado para o trabalho, a educação e a ressocialização dos adolescentes, depois de seis meses ou um ano, quando são soltos, eles fatalmente serão reincidentes", diz o promotor.
Bate-papo
Marconi Falcone, promotor da Infância e Adolescência
"É reflexo do aumento da crise na segurança"
O senhor tem percebido um aumento no número de processos envolvendo adolescentes aqui na promotoria?
Esse aumento é perceptível nos últimos 10 anos. De toda a forma, há um aumento por parte da delegacia especializada, que tinha somente um delegado e agora tem dois. Aumentou a equipe e houve esse reforço.
A que o senhor atribui esse aumento?
O aumento do número de atos infracionais é reflexo do aumento da violência em si, da crise na segurança pública. Muitos adultos deixando adolescentes responderem pelos seus atos. No RN, a situação se agrava com relação aos demais estados tendo em vista que o CEDUC Pitimbu está interditado por falta de condições, de estrutura e pessoal. O serviço público no geral não prioriza a criança e o adolescente. Temos um sistema sucateado. Não temos uma estrutura especializada.
Os adolescentes estão sendo liberados por falta de vagas?
Em alguns casos. Nós tentamos no Ceduc Mossoró e Caicó, mas se não houver vaga, é preciso liberar. Há casos inclusive de adolescentes responsáveis por homicídios que foram para as ruas. A governadora está muito ciente disso. Mas as soluções são muito lentas Você não ter vaga para internar uma pessoa é o caos. É um descaso por parte do Governo do Estado. Até mesmo as medidas em regime aberto e assistido não estão sendo cumpridas por conta de uma greve, ou algo assim. Tivemos várias reuniões com a governadora e com o presidente da Fundac, uma reforma está sendo feita, mas a juíza já declarou que isso não atende as condições de dignidade.
Qual a influência desse contexto na ressocialização dos adolescentes?
Se não há um trabalho orientado para o trabalho, a educação e a ressocialização dos adolescentes, depois de seis meses ou um ano, quando são soltos, eles fatalmente serão reincidentes.
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