Nas ruas desde a adolescência, José Vanílson Torres da Silva, de 41 anos, costuma colocar o endereço do albergue municipal de Natal no currículo, onde também constam cursos técnicos e certificados que na teoria o qualificariam para conseguir um emprego. No entanto, a falta de residência fixa mantém o morador de rua fora do mercado de trabalho. "Quando olham no papel Rua Câmara Cascudo, 176, não se interessam. Veem que você está capacitado, mas não existem garantias", reconhece Vanílson, que alterna as noites de sono na oficina de um amigo e no albergue municipal do bairro da Ribeira, zona Leste da capital.
Mesmo morando na rua, ele concluiu cursos técnicos de garçom no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), e de bombeiro civil, na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O currículo também inclui certificados por participações em eventos sobre as condições da população que mora nas ruas, causa a qual vem se dedicando há um ano no Movimento População de Rua. "Se estivesse no lugar dos empresários, também não me empregaria. O que temos de cobrar é uma política pública do Município que permita a pessoas como eu a entrada no mercado de trabalho", afirma.
José Vanílson e Valdemar Nunes, proprietário da
oficina que acolhe moradores de rua
(Foto: Felipe Gibson/G1)
Apesar de ainda ter de viver nas ruas, José Vanílson passa suas noites na oficina de um amigo que conheceu no bairro da Ribeira. Valdemar Nunes de Oliveira, de 52 anos, tem dois filhos dependentes químicos e se sensibilizou com os moradores de rua. "Não tinha como não conversar e ouví-los. Vi que tinha tudo a ver com nossas histórias de vida. Não são extraterrestres, já encontrei muita gente talentosa", afirma Valdemar, que já chegou a acolher cinco moradores de rua na oficina.
História nas ruas
Atualmente tentando concluir o ensino fundamental no Centro de Estudos de Jovens e Adultos, Vanílson conta que sua vida começou a mudar com a morte da mãe em 1985. "Foi um dia 27 de novembro, uma quinta feira. Ela faleceu por problemas cardíacos. Meu pai se casou novamente, vendemos a casa e fomos eu mais sete irmãos morar em São Gonçalo do Amarante (Grande Natal)", relata. Vítima de maus-tratos da madrasta, ele saiu de casa com 13 anos e nunca mais voltou. "Melhor estar nas ruas batalhando sem apanhar", diz.
Durante os 27 anos em que esteve nas ruas Vanílson viveu momentos de estabilidade, teve dois filhos, hoje com 9 e 12 anos, mas se envolveu com as drogas. "O crack foi minha destruição. Quase morri de pneumonia. Usei e tive recaídas", admite. Foi em uma das muitas situações difíceis que o morador de rua encontrou o caminho para, como ele mesmo conta, mudar sua história. "A coordenadora do albergue me convidou", conta Vanílson.
Perdi muito tempo. Enfrentei frio, violência, solidão e todo tipo de mazela nas ruas. Agora comecei a mudar minha história"
José Vanílson Torres da Silva, morador de rua
"Estive lá em 2011 e não gostei porque os guardas municipais eram truculentos quando faziam a revista. Voltei em 2012 e teve uma brincadeira de eleição para prefeito do albergue", lembra. Depois de criar o Partido Albergue Feliz (PAF), criar jingle e vencer a eleição de brincadeira, Vanílson viu que tinha potencial para crescer.
Em um evento na praça Augusto Severo, na Ribeira, ele conseguiu uma vaga para um curso de capacitação para lideranças de movimento de rua ofertado pelo Ministério da Saúde em Brasília. Foi o primeiro dos cursos e capacitações das quais participou "Perdi muito tempo. Enfrentei frio, violência, solidão e todo tipo de mazela nas ruas. Agora comecei a mudar minha história", desabafa.
Fonte: G1 / RN via Atualidades